2 de dezembro de 2010

Exposição Coopercotia


Por insistência da Liliam resolvi participar. Estive na companhia dela, da Tiyoko, da Marilena, da Eliza e do Serjão. Não fosse por ela, o pano que fiz em 2006 por ocasião do cinquentenário do livro Grande Sertão: Veredas não teria saído do baú. Estão aí uma boiada, Riobaldo (lábios vermelhos), Diadorim (olhos verdes) e os jagunços numa vereda de buritis, flores agrestes e o sol abrasador do Sertão. Tudo sob o símbolo do infinito (caro à Guimarães Rosa) e da palavra que fecha o livro. Tudo muito denotativo. Se algum mérito há é do autor que pensou todos esses personagens. Minha mão apenas costurou as imagens que ele pensou.
O pano nasceu durante uma oficina de bordado e aplicação que frequentei no no Sesc Pompéia sob orientação de Benigna Rodrigues e Wagner Vivan.

27 de novembro de 2010

Costura de palavras

É próprio do sonho ser volátil. Tenho alimentado meu espírito com imagens tecidas magníficas, coisas que me vêm quando lanço ao mar minha rede desejosa de capturar não o peixe, mas o cintilante movimento de sua escama. Pescadores mais afortunados do que eu será que sonharam seus peixes imateriais antes de atá-los às  iscas do urdume?
Levantei hoje com um projeto têxtil todo construído enquanto dormia. Hypnos sussurou em meu ouvido fiapos de memória, palavras antigas, ambições recentes e rascunhou tudo com materiais comuns. Aqui um fio felpudo que dança ao menor sopro, ali o fio de cobre que reforça o esqueleto, acolá a remoção calculada da urdidura para construir janelas que se abrem para o éter ou para um trigal ou para uma duna ou para uma tempestade. Como tecer uma tempestade? Transferir para as mãos que separam as calas e conduzem as navetes carregadas de fios torcidos e retorcidos com cores que se misturam para criar uma imagem que não vi, ninguém viu, mas que precisa existir para fazer sentido?
Minha mão parece estar amarrada e, para não perder o têxtil apenas alinhavo de idéias, costuro aqui as palavras para não botar tudo a perder e desmanchar meu sonho como faço quando puxo o fio ao crochê desalinhado.

21 de novembro de 2010

Cardigã do Léon

Quando me propus a tricotar este cardigã, pensei que as tranças e o bolso embutido me dariam trabalho. Ledo engano, a modelagem é quem deu. Não ficou boa, na verdade, e tive que improvisar com fita de gorgurão um reforço nos ombros e no decote para que eles não ficassem tão desabados. Voilà! Eis a minha blusa do Léon.
Léon K. foi meu professor de Estética na faculdade. Durante suas aulas ele fazia circular entre os alunos belos volumes da Skira de sua coleção particular. As reproduções ainda eram coladas uma a uma nas páginas mais escuras e encorpadas da encadernação, uma preciosidade. Era assim que ele ilustrava seus comentários. Não havia, na época, a fartura de livros de arte que encontramos hoje em nossas livrarias (a Livraria Cultura era só uma lojinha e Jeffrey Bezos ainda não tinha sonhado com a Amazon.com). Imagino-o no aeroporto, voltando de suas viagens, sempre com o mesmo cardigã e as malas repletas de livros. Eram dele uma expressão aguda e sorridente feita de pequeninos olhos azuis e uma maneira peculiar de dizer "muita vez".

V.V. (para quem fiz a blusa, o cachecol e o gorro) também foi aluno desse professor. Quando saímos para garimpar livros nos sebos próximos à Fnac, fazemos pilhéria com a possibilidade de estarmos comprando os livros do Léon. Quero crer que esses volumes que hoje atulham nossa biblioteca não trocaram o endereço dele pelo nosso, mas certamente eles foram de alguém. Alguém os amou intensamente por um tempo e depois os abandonou. Sorte tivemos nós, que não tememos as traças e gostamos de acolher livros usados.

13 de novembro de 2010

Reflexão sobre tapeçaria

Todos os nossos gostos e inclinações pessoais nos vêm de maneira indireta. Nada de muito racional. A decisão de perseguir essa inclinação primeira vem depois. Somos tocados por uma atitude, um filme, uma roupa, uma piada, uma inveja, um elogio, uma canção, uma conversa, uma história, a lista não tem fim. Jamais procurei no meu passado a razão pela qual gosto de Idade Média, embora desconfie a razão pela qual gosto de tapeçaria. Posso revelar: adoro quadros, mas detesto tinta, aquela coisa pegajosa que escorre. Sempre gostei de trabalhos manuais (tricô, crochê, bordado). Quando descobri que se podia construir arte com fios, a paixão foi imediata. Quadros podiam ser bordados ou tecidos, enfim. Mas o encantamento durou pouco, pois quadros têm o seu veículo próprio: telas e tintas. Van Gogh era capaz de pintar teares lindamente, mas desse-lhe um tear para operar talvez ele produzisse um punhado de nós. Mal comparando, para quê plantar alfaces cavando buracos com bisturis?
Então era isso, a tapeçaria era só a atividade de gente invejosa da pintura? Insatisfeita, fui estudar e encontrei artistas que não são nem nunca quiseram ser pintores. Suas tapeçarias são focadas nelas mesmas e refletem um diálogo com os materiais têxteis que lhe são próprios. Pouco importava se a tapeçaria era figurativa ou abstrata, bi ou tridimensional, costurada, bordada, crochetada, tricotada ou tecida. Foi grandioso! Enfim a Tapeçaria com inicial maiúscula, liberta da pintura.

Essa imagem que ilustra a postagem bordei sobre talagarça usando meio-ponto e casa-caiada. Trata-se da composição de imagens que recolhi em diversas iluminuras medievais. No original, a dama à direita tinha a linha preta do contorno do cabelo lindamente verde no interior da mancha de cor, como se os fios fossem soprados pelo vento. Impossível reproduzir em talagarça sem que minha gentil dama parecesse uma Medusa. Em tear ficaria muito bom, hoje o sei.
Quando bordei, a tapeçaria ainda não existia para mim com linguagem própria. Por isso a bordei. Hoje as coisas se complicaram, pois, para ser coerente, ou não bordo, ou salto o círculo de giz e vou fazer outra coisa.

9 de novembro de 2010

Tapeçaria: um pouco de história

Desenho feito pelo artista plástico Wanderley Ciuffi
Tapeçaria de Tear
Quando se fala em tapeçaria artística, é necessário definir qual técnica temos em mente. A mais prestigiosa é sem dúvida aquela tapeçaria mural figurativa que os flamengos (da Flandres belga e francesa) trabalharam à perfeição. Manufaturada em enormes teares de alto ou baixo liço, o nome que mais associamos a esse tipo de tapeçaria é Gobelin. Esse nome pertencia ao hábil tintureiro que fornecia a lã necessária  para a confeccção das tapeçarias que cercavam de luxo a nobreza francesa. Mais tarde, a oficina que produzia essas tapeçarias para o rei chamou-se Manufacture des Gobelins.
Essas tapeçarias eram muito cobiçadas, pois conferiam enorme status a seus possuidores. Seu preço era altíssimo e os nobres se vangloriavam de possuí-las às dezenas. Forravam com elas as paredes frias de seus castelos, escondiam portas e janelas, serviam de biombo, enriqueciam o dote de princesas, guarneciam até cabines de navios. Aqueciam os ambientes. Quando a corte partia para alguma aventura, lá se iam as tapeçarias para os baús que as transportavam não sem dano. A pintura mural, nessa época, era a "prima pobre" da tapeçaria, já que seu custo era baixo e ela possuía a enorme desvantagem de não ser portátil. Os pintores, então, passaram a fazer projetos para serem transpostos em tapeçaria. Estávamos no Renascimento e grandes artistas emprestaram seu talento para com as tintas para o âmbito têxtil. A técnica necessária para traduzir com fios algo que foi pensado com tinta nunca foi tão apurada. A tapeçaria conheceu seu auge. Paradoxalmente, o grande esplendor que a tapeçaria alcançou com essa contribuição acabou por esterilizar e enrijecer o talento dos verdadeiros tapeceiros, daqueles que pensavam em termos de trama e urdidura, daqueles que buscavam soluções têxteis para problemas têxteis. A tapeçaria virou cópia da pintura. O gosto declinou. A tapeçaria quase morreu.


Jean Lurçat (1892-1966)
Foi ele o responsável pelo "renascimento" do interesse pela tapeçaria numa ótica moderna. Ele procurou simplificar e padronizar o conhecimento técnico necessário à produção de tapeçaria e reconduzir a feitura do cartão para o artista-tapeceiro detentor de uma linguagem artística própria.  Estava aberto o caminho para que a arte moderna se apossasse dessa antiga técnica e a colocasse num novo patamar. Ele foi pintor, ceramista e tapeceiro. Antes de mandar tecer suas tapeçarias nas grandes oficinas remanescentes da grande época da tapeçaria, ele as mandava bordar por sua mãe ou esposa. A tapeçaria também se exprime no bordado.

Tapeçaria de Agulha
Menos prestigiada que sua irmã tecida, a tapeçaria bordada sempre esteve mais associada à decoração, à feitura de almofadas e estofamento de cadeiras. Poucos artistas elegeram-na como veículo para suas criações. (Temos Genaro de Carvalho, Madeleine e Concessa Colaço no Brasil). Borda-se geralmente com lã sobre talagarça, juta ou tecido e deve-se recobrir toda a superfície do trabalho com pontos de agulha. Existem numerosos pontos que se podem usar, sozinhos ou misturados. Há uma complicação adicional, já que um dos pontos mais populares que dispomos para bordar a talagarça também se chama Gobelin. O maior desafio para quem gosta desse tipo de tapeçaria e quer propô-lo como arte é desvincular sua feitura das cópias que se reproduzem aos milhares seguindo gráficos ou impressão prévia.

Todas as tapeçarias que ilustram essa postagem são de agulha e foram executadas por mim. Com exceção da primeira, projeto original de meu pai artista, as demais imagens foram colhidas em livros de história da arte. Elas decoram minha casa. Outra hora conto a história de cada uma delas.

5 de novembro de 2010

Fio matizado


Minha mãe sempre fez campanha contra brinquedo que brinca sozinho e não deixa espaço para a criança imaginar. Faz de conta que essa tampa é uma panelinha e este mato um banquete no Maxim's. Pronto, mastigávamos as azedinhas que mal e mal viam água. Modelar o barro, então, era a glória, pois tudo era possível. Tomei muito vermífugo para expulsar os excessos de minha imaginação ou as carências de minha condição, leia-se como quiser. Mas no tear, quando uso fio matizado (que eu adoro!), ele brinca sozinho e eu termino o pano me sentindo um tanto enganada. No tear manual, quando não se trabalha a padronagem, a graça está em misturar os fios para criar nos tecidos efeitos variados de cor, textura, transparência, brilho... Quando se usa o fio matizado a preguiça parece conduzir nossa mão.

1 de novembro de 2010

Tapeçaria Artística - Links II

Mais alguns links para ampliar a pesquisa anterior. Quem souber mais, contribua, pois conhecimento é um oceano com muitos mares. E dá-lhe vento e vontade para navegar. Eta que isso eu tenho!

França
O Institut de France é uma instituição acadêmica que agrega as mais prestigiosas academias nacionais daquele país. Em 2008, a Académie des Beaux-Arts produziu um colóquio sobre Tapeçaria Contemporânea Européia e chamou alguns especialistas para falar sobre o assunto. Compareceram artistas, historiadores, curadores, críticos, restauradores e todo pessoal interessado nesse assunto. Selecionei alguns textos que me pareceram muito instrutivos.
La Tapisserie du XXe siècle (Gérard Denizeau) - o texto desse historiador enfoca sobretudo Jean Lurçat
L'importance du mouvement de la "nouvelle tapisserie" depuis les années 70 jusqu'à aujord'hui (Françoise de Loisy) - fotos de tapeçarias contemporâneas

Europa transnacional
European Tapestry Forum: An artist-led tapestry initiative (Thomas Cronenberg) - relato das atividades desenvolvidas por este grupo
European Tapestry Forum - Site dessa associação de artistas

Polônia
Polish Fibre Art to the Threshold of the 21st Century (Jolanta Piwonska) - curadora do Museu de Lódz historia a contribuição dessa verdadeira vanguarda que foi a "escola polonesa" para a Arte Têxtil
Wlodzimierz Cygan - página deste artista contemporâneo

Noruega
I Love Tapestry - trata-se de uma galeria virtual com belos trabalhos contemporâneos

Suécia
Annika Ekdahl - site da artista com preciosas indicações na net

Finlândia
Aino Kajaniemi - página com o trabalho desta artista

Espanha
Liceras de Valdeolea - blog com o trabalho bem documentado de um grupo de artistas que trabalha nesta pequena cidade da Cantábria

Estados Unidos
Textile Society of America -  Fórum internacional sobre têxteis
The New York Guild of Handweavers - Site riquíssimo de informação sobre a guilda têxtil
Smithsonian - ver a coleção têxtil
The Gloria F Ross Center for Tapestry Studies - ver a impressionante galeria de artistas têxteis modernos

Uruguai
Aldo Rissolini - página do artista

28 de outubro de 2010

Cascata verde



Tricô de dedo: eu nem sabia que existia. Esse cachecol em cascata é tão fácil de fazer que dá até dó: basta passar o fio pelos dedos da mão e ir derrubando o ponto um a um. Muito efeito, pouco trabalho. Dá para aproveitar o tempo com outras coisas. Por exemplo, assistir ao filme In Bruges, em que o diretor valoriza de tal maneira o cenário dessa cidade medieval belga que o eleva à condição de principal personagem do filme. Ou escutar ao álbum Show, da Ná Ozzetti,  em que ela regrava clássicos de nosso cancioneiro de maneira primorosa. Quem gosta de afinação e instrumental caprichado não pode perder.

25 de outubro de 2010

Tissume

Há alguns dias tive o prazer de conhecer Mercedes Montero e Maria, ambas expositoras de seus trabalhos têxteis aqui em São Paulo. O projeto Tissume, sediado em Pirenópolis - GO, resgatou a atividade em tear manual nessa cidade e inovou os produtos com o design criado pela Mercedes, de maneira que hoje há um núcleo maior de pessoas na comunidade gerando renda através do tear. Ela tece com tecido, fibras naturais, arame, algodão fiado à mão, fios industriais e o que mais sua criatividade inventar.
Bolsas, xales, luminárias, almofadas, blusas, vestidos, biombos possuem acabamento primoroso e estão longe de serem convencionais.

13 de outubro de 2010

Tapeçaria artística - links

Essa pesquisa é fruto de incansáveis horas frente ao computador perseguindo esse assunto de que gosto tanto. É importante que todos tenham em mente que cada site abaixo relacionado fornece sua própria lista de links para serem visitados, ampliando consideravelmente o que há para ser visto, especialmente páginas de artistas contemporâneos que eu adoraria conhecer... Convido outras pessoas a compartilharem seus conhecimentos sobre tapeçaria para que essa lista cresça ainda mais!

Brasil
Pouso do Tapeceiro - site da pousada onde o artista têxtil Henrique Schucman vive e trabalha.
Casa Andrade Muricy - entidade ligada à Secretaria da Cultura de Curitiba que promove exposições de arte e onde é possível encontrar informação sobre artistas têxteis poloneses.
Elke Otte Hülse - pesquisadora sobre artes visuais ligada à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Dissertação de mestrado: As Tramas dos Tapeceiros Narradores (parte I);  As Tramas dos Tapeceiros Narradores (parte II); O Mestre Tapeceiro e os "Cadernos de Aluno", sobre a atividade docente de Ernesto Aroztegui; Tapeceiros na América Latina, artigo sobre Ernesto Aroztegui (Uruguai), Máximo Laura (Peru) e Jacques Larochette (Argentina).

Portugal
Manufactura de Tapeçarias de Portalegre - site de uma oficina que se propõe a confeccionar tapeçarias (com rigorosa técnica gobelin) sob encomenda para artistas ou colecionadores.
Portugal e as Tapeçarias Flamengas - arquivo acadêmico da Universidade do Porto em que a pesquisadora Roza Huylebrouck traça o inventário das tapeçarias flamengas em solo português.

Peru
MNAAHP - site do museu com riquíssimo acervo (não só têxtil) da produção de numerosas culturas pré-colombianas.
Museo Larco - site de museu.
Máximo Laura - artista têxtil contemporâneo.

Suécia
La Colección Paracas - site trilíngue do museu da cidade de Gotemburgo com importante acervo desta cultura.

Bélgica
Domaine de la Lice - site de uma associação de artistas têxteis contemporâneos militantes e suas propostas para uma tapeçaria com linguagem própria.
De Wit -  site da manufatura real herdeira da tradição flamenga de tapeçaria.


França
Le Portail de la Tapisserie Contemporaine - site de artistas têxteis contemporâneos com fórum para debates e glossário. Pena que haja informação restrita apenas para membros...
Atelier Enila Tityad - site da artista com farta documentação de seus trabalhos e seu processo criativo. Ela é generosa, fornece fotos, fórum, bibliografia e explicações técnicas.

Polônia
Centralne Muzeum Wlókiennictwa - site do museu da cidade de Lódz, responsável pela realização das famosas trienais de tapeçaria pelas quais todo artista têxtil já passou ou deseja passar.

Estados Unidos
The Textile Museum - site do museu em Washington.
American Tapestry Alliance - site de uma associação norte-americana de artistas têxteis contemporâneos.
Susan Klebanooff - site da artista com fotos de seus trabalhos.

Alemanha
Gunta Stölzl - site com informações preciosas sobre essa pioneira da arte moderna têxtil na Bauhaus.
Anni Albers - site da fundação dessa dupla de artistas (Josef e Anni Albers) mestres também oriundos da Bauhaus.

9 de outubro de 2010

Gorros para um inverno acalentado


Ei-los que vão saindo, para esquentar as idéias nesse inverno que se aproxima... no hemisfério norte! Nada como um frio arretado para acelerar as sinapses e povoar nossa memória de lembranças fecundas. Ai que saudade... Paisagens novas, sabores inusitados, pessoas e odores. Tudo novo para ver e rever. À bientôt!
Em tempo, a modelo fez greve, então tive de ser criativa...

4 de outubro de 2010

Sonho de armarinho - ou - O que o Drummond tem a ver com isso?


Mal conheci e lá fui eu visitar o armarinho sonhado pela Angélica. Um encanto! Menos balcão e mais sofá, do jeito que a gente gosta. Sortimento de materiais, aulas para todos os gostos, lugar para passar a tarde ocupando as mãos. Algumas vezes ocupa-se mais a língua, mas faz parte do ser mulher neste mundo. Assim que deixei minha sacola de panos para exposição, senti-me órfã. Bom, pensei com meus botões, os meninos precisam ganhar o mundo... Melhor assim, fabrico outros. Daí ouvi o poema O Elefante do Drummond ecoando nas minhas palavras e resolvi dar a vênia devida. Que fazer se ele disse melhor? Aí vai o poema, mas eu não quero encher linguiça (Ai que não me acostumo com a nova ortografia: que fizeram com o trema?)

Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.

Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.

Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há na cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres
e situações patéticas
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.
E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.

1 de outubro de 2010

Quadrados afegãos


Não fiz a pesquisa. Alguém sabe me dizer o que há de afegão nestes quadrados coloridos de crochê? Como diria o Rosa, o Afeganistão está em toda parte. E arre que eu estou literária. Culpa da chuva que cai lá fora e embaça a fotografia que eu queria luminosa. Não deu. Não dá. Não é quando a gente quer que as coisas acontecem. Elas têm andamento próprio. Andei perseguindo as palavras a semana inteira e elas fugiam de mim, escorregosas. Eis que agora, nesse dia cinzento e eu com os olhos inchados elas brotam de supetão. Tem explicação?
As mãos poderiam estar crochetando para terminar esta colcha incompleta, mas os dedos rebelados insistem em teclar as imagens cerebrais. Então, eu obedeço e calo toda pessoa que em mim é previsível para experimentar esta outra, mais solta e tagarela. O crochê introspectivo fica para depois: nada de coser para dentro hoje.

23 de setembro de 2010

Penélope e os mantos Paracas

Pinturas em vasos gregos retratam Penélope a trabalhar num tear como este, com pesos nas pontas. Imagino que se trate de um tear propício a tecidos maleáveis, tais como deve ter sido o pano funerário que ela tecia para o sogro. Penso num tecido fino, tipo sudário e não num tecido encorpado como os mantos de Paracas. Por falar nisso, esse fabuloso povo do Peru antigo realizou aquilo que Penélope apenas esboçou, já que desmanchava o trabalho em horas tardias. Esse povo tecia seus indescritíveis mantos para sepultar com honras os destacados dentre eles. Esses panos existem, podemos vê-los nos museus. Quem sabe se algum dia Penélope concluiu seu trabalho... Se os mitógrafos pudessem, qual Midas, materializar o objeto de suas narrativas, facilmente veríamos Indiana Jones ou Heinrich Schliemann cavocando até as pedras da Lua em busca do velocino de ouro, da nau dos argonautas ou da caixa de Pandora. Contudo, justamente por serem imaginários, esses objetos continuam a nos inspirar decorridos alguns milênios. A mortalha de Laertes é um desses objetos míticos que desafia o talento de qualquer tecelão.
Os panos funerários produzidos por numerosas culturas pré-colombianas nada sabem da mitologia grega e da maneira européia de usar o tear. São eles sublimes por mérito próprio. Sua técnica e sua arte são testemunho da riqueza e sofisticação incomuns alcançadas por povos ditos "primitivos".

19 de setembro de 2010

Babados e Vampiros

Terminei mais um trabalho dos muitos que estão a caminho. Receita da Evelyn. Enquanto crochetava, não pude deixar de pensar em Lestat na Entrevista com o Vampiro. O livro não li, mas o filme tem seus momentos. Tom Cruise e Brad Pitt envoltos em camadas de   babados fizeram a alegria de apreciadores tardios do rococó. Pensei também na nobreza francesa e na guilhotina: quem deixava imaculados os babados que Robespierre tinha ao pescoço antes da invenção de Monsier Guillotin?

Devaneios históricos à parte, minha bela modelo possui ambas as coisas no lugar: as idéias e a cabeça. Não é nem vampira nem guilhotinável. Sua carta genealógica remonta a gente desprovida de brasão. Comme tout le monde, aliás. Também seu encantamento com vampiros mais recentes não vai além do makeup próprio da idade. Bendita maturidade!

16 de setembro de 2010

Tiyoko Tomikawa


Quem a conhece, sabe. Estudar tear com a Tiyoko é mais do que o aprendizado cuidadoso de inúmeras técnicas. Ela vai mais fundo, pois atou os fios de sua própria vida ao tear. Responsável pela oficina de Arte Têxtil do Sesc Pompéia, há 24 anos ela compartilha o conhecimento altamente qualificado que possui com qualquer um que queira entrar para o clube dos que tecem.  Já presenciei a Tiyoko ensinando soumak duplo e técnicas de kilim a pessoas leigas numa megafeira em São Paulo, ou o urdimento do tear pente-liço num banco de jardim... Ela oferece a cada um segundo o seu interesse e a todos atende com igual presteza. Há aqueles que a procuram para aprender a fazer xales e mantas para bebês, jogos americanos, tapetes e peças utilitárias. Há os interessados nas possibilidades infinitas de padronagem no tear de pedal. Há também aqueles que querem aprender a técnica minuciosa do gobelin para tapeçaria artística. Ela não sonega informação. Até as detentas do presídio feminino puderam aprender a tramar e a urdir algo mais concreto do que vinganças desesperadas ou esperanças débeis projetadas num futuro incerto.
Importa pouco a motivação de cada um,  vale mais a satisfação pessoal que cada qual obtém com a confecção de um têxtil nascido da interação entre expectativa e domínio técnico. É bonito de se ver, brotar das mãos um artefato feito de persistência e engenho.
Entre as alunas, brincávamos que algumas de nós tinham shoyo na veia. Na verdade, muitas tinham. Literalmente. Mário, Hissae, Keiko, Mioko, Harumi, Maria, Darci, Liliam, Renata, Emy, João, Cléo, Paula, Ritinha, Rosa, Audrey, Sueli, Marilena, Sandra, Suzana, Serjão. Pessoas com as quais topei na minha época. Há muitas mais.
Quase tudo que sei de tear aprendi com ela. Falta agora aliar a técnica à criatividade que cada um deve buscar dentro de si para trilhar o seu próprio caminho têxtil. Sei que a Mestra aprova.

Meus panos de aprendizado do tear artístico

Autocrítica

Exercício de círculo, curvas e texturas

O problema deste trabalho é que ele está sendo tecido sem um plano prévio. Não preparei nenhum cartão para ele; então, ele fica assim: pobre e sem rumo. Não sei o que quero dele. Este post também está assim: inútil. Na verdade não tenho nada para dizer. É que essa sensação de esterilidade incomoda e não acredito muito na inspiração das musas. Era melhor não ter escrito nada.

12 de setembro de 2010

Cachecol branco e preto

Tecido com linha fina e pente 4:1. Funcionou bem, porque o peso da linha deu um caimento bom para o cachecol. A padronagem é muito simplesinha: alguns fios pretos no urdume para sugerir um xadrez preguiçoso. Outro que fiz (e não tenho foto), misturei essa mesma linha com uma lã muito leve e felpuda, intercalando os fios do urdume. Batimento bem leve na trama. Ficou muito bom e bem mais quentinho.
O tear pente-liço tem essa qualidade boa que é a rapidez com a qual os trabalhos ficam prontos. No instante mesmo em que retiramos uma peça do tear ele nos convida a experimentar de novo com outra combinação de fios ou cores. Outros propósitos...

10 de setembro de 2010

Alegria é a prova dos nove

Ludmila Ciuffi
Luz e sombra absolutas. Pode alguma coisa ser mais anti-Miró do que branco e preto? Não sou daltônica, meu olho alcança todo o pequeno espectro de cores que foi reservado aos humanos. Tampouco sou triste: alegria é a prova dos nove, já disseram. Alegria é verde-limão, cor-de-abóbora, azul cobalto, amarelo ouro, vermelho queimado. O som de minha risada é colorido e estridente. Coerência e comedimento não possuem cor. Ou melhor, são variações em torno de cinza. Neutralidades.
Então, para não destoar muito, vivo em branco e preto, mas sonho colorido. E bordo também. Esta tapeçaria foi toda composta com elementos tirados de Miró, mas o colorido é meu.
O cachecol branco e preto não poderia ser mais neutro... Quase frio. Ainda mais pelo fato de ser tecido com linha fina. O calor que ele abriga não vem dele. Vem da alegria incontida de experimentar as cores e fazê-las falar.

3 de setembro de 2010

Tapeçaria de Bayeux

Apenas os contornos estão bordados...
Esta réplica que estou bordando tem cerca de um metro. Trata-se da representação de um fragmento da tapeçaria original, que contém setenta metros de imagens bordadas absolutamente fantásticas. A "tapeçaria" narra a história da conquista da Inglaterra por Guilherme, duque da Normandia, no ano de 1066. Ela foi bordada com lã sobre linho fino e é o principal documento histórico dessa conquista.
Em Bayeux fica o museu onde ela está exposta e na lojinha do museu é possível comprar kits para bordar. O kit compreende o linho riscado, as lãs nas cores e quantidades necessárias, a agulha para bordar, uma reprodução do fragmento a ser trabalhado e um gráfico com a chave de cores.
Este livro traz o registro fotográfico da tapeçaria inteira
A Sra. Chantal James ensina, em francês ou inglês, aos entusiastas, os segredos do ponto de Bayeux. Sempre às terças-feiras de novembro à março.

Por sorte, em meu trabalho, posso contar com a reprodução fotográfica maior e muito mais detalhada publicada no livro ao lado. Ele contém o registro fotográfico mais recente e completo da tapeçaria. Suas imagens foram colhidas durante os trabalhos de reforma do museu  onde ela se encontrava exposta. Ela foi estudada por diversos especialistas e, posteriormente, ganhou um novo espaço para exibição. Os visitantes podem admirá-la através de uma vitrine que a protege de mãos mais afoitas. Infelizmente, não é possível ver o avesso.

Detalhe com o risco ainda sem bordar
Meu trabalho vai indo lentamente, porque é necessário bordar primeiramente com ponto haste todos os contornos riscados, para depois preencher com cor o interior dos motivos.
Nessa parte não cheguei ainda, mas sei que ela é muito rápida, já que os pontos têm cerca de cinco centímetros! Não vejo a hora de terminar para vê-la emoldurada na parede... Quem sabe se ainda este ano!

2 de setembro de 2010

Tapetão

Este é o tapete a que me referi no post passado. Ele foi todo bordado com lã sobre juta em pontos arraiolos e ainda não está terminado, faltam o emborrachamento e o acabamento das bordas. De tradicional ele não tem nada: recolhi motivos aztecas (e um nazca) e montei neste "tabuleiro de xadrez" multicolorido. A idéia era usar cores fortes e muito constrastantes em cada quadrado. O resultado aí está: um carnaval colorido para espanto  de decoradores mais convencionais e aficcionados do Feng Shui. 
Quanto tempo levei para bordar? Vários anos, ao sabor das tempestades... Depois que resolvi terminá-lo à sério, em meados de março, foram quatro meses. Calculei cerca de 180 horas de trabalho aprazível. Um pouco por dia. Enquanto bordava (principalmente os quadrados sem desenho, onde não havia gráfico para seguir e as bordas), cantei, estudei (áudio de línguas), conversei e ouvi trechos de livros que me foram lidos por outrem. Trabalhos manuais repetitivos proporcionam uma capacidade de concentração realmente especiais. Se eu pudesse bordar enquanto assistia às aulas na universidade meu aproveitamento teria sido muito maior. É pena que tal procedimento não seja bem visto pelos professores...

31 de agosto de 2010

Atelier


Esta é a parede principal do atelier, onde penduro variados trabalhos (patchwork, tear, bordado e aplicação). Sobre a mesa estão algumas mantas e xales e no encosto da cadeira há um pequeno tapete de barbante (tear). No tear de pedal há um têxtil que é apenas teste de material.
Estes trabalhos já são antigos. Os recentes ou ainda não estão prontos, ou não são para pendurar. São eles: um tapete com ponto de arraiolos, uma colcha em quadradinhos afegãos de crochê, uma blusa de lã masculina em tricô, um cachecol com babados, um panô pequeno no tear e o bordado de um fragmento da Tapeçaria de Bayeux. São todos trabalhos grandes, encaro bem as empreitadas duradouras... Os pequenos terminam rápido demais.

30 de agosto de 2010

O museu ideal

Todo mundo que gosta de têxtil, no Brasil, está deserdado de publicações importantes e museus de qualquer espécie. O fazer têxtil, um dos pilares da civilização humana, não encontra, aqui, tanto quanto eu conheço (e tenho procurado bastante...), atenção de pesquisadores (para inventariar o que é nosso), de editoras, de curadores ou museólogos. Até as publicações estrangeiras não nos chegam com facilidade... O assunto é morto.
Bordado família Dumont - detalhe
Como movimento mais recente, a década de 70 conheceu uma efervescência de artistas que usaram o têxtil para exprimir sua arte. Tal movimento foi descrito por Rita Cáurio em seu Artêxtil. Há também alguns catálogos de exposição e uma outra publicação muito bonita que consiste numa coletânea de obras e artistas. É tudo quanto eu conheço. Alguns artistas alcançaram grande reputação, mas sua época já passou. Jacques Douchez, Norberto Nicola, as Colaço mãe e filha, Burle Marx (que só fazia o cartão...) e tantos outros parece não terem deixado discípulos... O único artista que eu conheço em atividade é Henrique Schucman com a tapeçaria (de tear) e a família Dumont com os bordados. Minha ignorância é grande. Procuro, com as ferramentas que a internet me proporciona, ampliar meu conhecimento sobre toda atividade têxtil. Tarefa ingrata! Quase inexistente no Brasil. Fragmentada lá fora. Interessa-me o têxtil em todas as suas formas: artístico e utilitário (mas não industrial), oriundo de tear ou de tricô, crochet, renda, costura, bordado. Interessa-me sobremaneira a atividade criativa que ele pode proporcionar: penso nas tapeçarias (de chão e de parede - kilim ou gobelin), nas esculturas tecidas, nas aplicações, no patchwork, nos bordados, as possibilidades são tantas... Procuro, nas bibliografias das publicações estrangeiras que me caem nas mãos, endereços de museus voltados ao têxtil. Aí a coisa se pulveriza: parece que ninguém se interessa pelo assunto de maneira abrangente. Têm-se têxtil arqueológico separado do têxtil artístico, separado do têxtil utilitário, separado pelas diversas técnicas, separado pelos povos do mundo. As técnicas têxteis são as mesmas em todos os lugares (pessoas do mundo inteiro se dedicam a fazer crochê, tricô, patchwork, bordado, tapeçaria) e atravessam a História como fazer contínuo, necessário, útil, belo, rico. Algumas técnicas são mais antigas do que outras (e fizeram a riqueza material ou cultural de povos inteiros), mas todas elas envolvem um material que é sempre o mesmo: fios, agulhas, teares.
Tapeçaria - Norberto Nicola
Inúmeros museus espalhados pelo mundo (quem dera poder visitar todos eles...) colecionam parcelas do fazer têxtil humano. Pensando bem, não poderia ser diferente. A menos que procedêssemos como um certo demente austríaco que tinha a pretensão de reunir tudo o que ele considerava "a grande arte" num museu único, com acervo saqueado de todos os demais... Não, não é viável. O museu de tudo não existe. O que me aborrece é que os livros não precisam ser assim: eles podem ser abrangentes, informativos, referenciais como um dicionário. Se este livro existe, alguém, por favor me avise que eu não sei.
Meu museu ideal seria assim: um prédio (real de preferência, mas um virtual já seria louvável) que mostrasse em seu acervo as variadas realizações que uma determinada técnica possibilita. Para todas as técnicas do fazer têxtil. Através da História e dos povos. Através do fazer feminino (e esse é um assunto interessantíssimo, por que a mulher ficou desde cedo associada a esse tipo de trabalho). Através da "grande arte" e da "pequena arte". Um espaço em que os têxteis da Bauhaus, biquinhos em panos de prato, cachecóis, gobelins, kilims, vestimentas étnicas bordadas, rendas de bilro, panos de Paracas, arte moderna, quilt livre (e não livre também) convivessem sem hierarquia, cada um segundo sua técnica. Tudo isto para mostrar o valor da inventividade humana, o poder de uma agulha, a versatilidade do fio, a permanência do tear.

27 de agosto de 2010

Cerâmica e tear

Cerâmica e tear
Têxtil (curso básico) e objetos cerâmicos decorativos
Faz bastante tempo que gosto de artesanato. Arte também. Livros e mais livros que exploram esse assunto se empilham em minha casa. Nenhum deles é definitivo. Isso não existe, felizmente. Assim temos sempre a oportunidade de procurar mais além, noutro livro, noutra pessoa, noutro lugar uma maneira nova de olhar o velho, porque tradição é isso: fazemos hoje aquilo que outros fizeram no passado. Fazemos melhor? Fazemos pior? Parei de buscar resposta para essa questão - importa que se continue fazendo para que as técnicas não pereçam, o que é sempre triste. Uma técnica que se pratica é uma conquista que se perpetua. Que seria de nós se tudo o que sabemos sumisse repentinamente de nossa memória? Que seria do homem, nu, perdido sob o manto das estrelas? Penso na tecnologia têxtil e na cerâmica como pilares da civilização. Claro que existem outros, mas esses são os que me interessam mais de perto. Não é espantoso que essas técnicas tenham atravessado a História quase imutáveis no essencial? Fibras de kevlar são tecidas em versões modernas dos velhos teares, a indústria cerâmica continua queimando o barro como faziam nossos ancestrais.

25 de agosto de 2010

Em alta velocidade

Anos atrás adquiri um tear "rabo de rato" e um de tricô (para fazer cachecóis) pelo mero fetiche do objeto.
O marceneiro que os fez trabalhou bem nas peças, arredondando os cantos e deixando tudo bem lisinho para não desfiar o fio.Os pregos de aço inox também estavam bem posicionados. Capricho que aprecio em qualquer trabalho. Pois bem, comprei mas não gostei de trabalhar com os teares. Rebelei-me contra aquilo que considerava "trabalho de preso": derrubar com agulha de crochê ponto por ponto. Acontece que eu estava envolvida com teares pente-liço e teares para gobelin e não dei atenção para as possibilidades de uso do rabo do ratinho... até agora. A Evelyn, minha professora de tricô (evelynartesanato.blogspot.com), criou uma peça que resolvi fazer também e lá se vão mais de dez horas de trabalho para fazer os cinco cordões... O resultado aí está, ficou bom, mas eu enlouqueci com o tempo gasto para fazê-lo e só tive sossego quando encontrei uma fabulosa maquininha para fazer a mesma coisa em altíssima velocidade (cinco cordões em uma hora).
Agora, como diz o Chico, "haja pescoço pra enfiar" tanto cachecol. A maquininha encontrei pela internet (pontodosbordados.com.br), onde tive o prazer de conhecer a Joana, que pelo jeito também gosta de aventuras em alta velocidade... Estaremos as duas perseguindo a adrenalina contida nas ações rápidas? Artesanato a todo vapor? Rabo de rato high speed? Não sei quanto a ela, foi só uma brincadeira da minha parte; quanto a mim, reservo o "trabalho de preso" para outras atividades de que gosto mais.

20 de agosto de 2010

"Amor em cada ponto"


Estive selecionando fotos relevantes para publicar e encontrei uma que ilustra o gesto carinhoso que acompanha pessoas que se cuidam mutuamente. Lãs e agulhas permeiam esta cumplicidade. O tricô que nela aparece é todo feito de carinho e cuidado. Tricotamos para aqueles que amamos. Tricotamos para nossos filhos e netos. Que valor tem uma roupa que qualquer um pode adquirir por um punhado de notas? O suéter que produzimos com "muito amor em cada ponto" (como diria a avó do Bob Esponja) tem um valor agregado tão alto que moeda alguma pode alcançar seu preço. Não se trata de um produto destinado a alguém sem rosto, mas de algo que produzimos para alguém cujo nome nos diz respeito.
Acredito nisso. E acredito tanto que adoraria produzir uma cota de malha para proteger os que me são caros. Como essa que está aí. Na minha fantasia, o metal se dobra e se enlaça sob o comando das agulhas. Ele se amolda, gentil, aos contornos da carne. É como se Aracne tecesse com os fios secretados por um bicho da seda alimentado por Hefaistos em suas forjas vulcânicas. Coisa mais fantástica que a mortalha de Laertes.

19 de agosto de 2010

Agulhas na alma

Vaso em cerâmica com o qual presenteei uma amiga
Nasci com agulhas na alma. Não faço distinção: agulhas de tricô, de crochê, de bordado, de tapeçaria, de sacaria, de costura e até de seringa, o Dr. Nilo que o diga! Tenho agulhas suficientes para aparelhar até a geração de meus bisnetos... Mas isto não importa. A habilidade para manuseá-las todas vem vindo ao sabor dos interesses que se alternam a cada momento.
Por hora, tricoto. Estou fazendo minha terceira blusa para este inverno que (Deo gratia!) se prolonga. Escolho modelos com técnica cada vez mais apurada para alegria de minha professora de tricô. E eles vão saindo cada vez melhores. Tenho um prazer nada secreto de poder apontar para um objeto e dizer "eu que fiz". Tanto que até os pratos, xícaras e travessas de casa levam meu nome. Tempos em que eu fazia cerâmica para expurgar alguns males. E mosaico também. Fiz um grande, com desenho de muiraquitãs que levou vários anos para ser concluído, pois cortar pastilha de vidro com alicate é um talento para poucos. Aplicá-lo na parede, então, exigiu o métier de um pedreiro habilidoso. Minha mão não dá para isto. Mas voltemos às agulhas. Não fosse por elas, meu tempo ocioso me sufocaria. Por intermédio delas minhas mãos como que prendem o instante mesmo em que o amor me habita e me faz gerar objetos vários. É assim, bem feminino que esse negócio me parece. Homens que bordam têm o meu respeito.