30 de agosto de 2010

O museu ideal

Todo mundo que gosta de têxtil, no Brasil, está deserdado de publicações importantes e museus de qualquer espécie. O fazer têxtil, um dos pilares da civilização humana, não encontra, aqui, tanto quanto eu conheço (e tenho procurado bastante...), atenção de pesquisadores (para inventariar o que é nosso), de editoras, de curadores ou museólogos. Até as publicações estrangeiras não nos chegam com facilidade... O assunto é morto.
Bordado família Dumont - detalhe
Como movimento mais recente, a década de 70 conheceu uma efervescência de artistas que usaram o têxtil para exprimir sua arte. Tal movimento foi descrito por Rita Cáurio em seu Artêxtil. Há também alguns catálogos de exposição e uma outra publicação muito bonita que consiste numa coletânea de obras e artistas. É tudo quanto eu conheço. Alguns artistas alcançaram grande reputação, mas sua época já passou. Jacques Douchez, Norberto Nicola, as Colaço mãe e filha, Burle Marx (que só fazia o cartão...) e tantos outros parece não terem deixado discípulos... O único artista que eu conheço em atividade é Henrique Schucman com a tapeçaria (de tear) e a família Dumont com os bordados. Minha ignorância é grande. Procuro, com as ferramentas que a internet me proporciona, ampliar meu conhecimento sobre toda atividade têxtil. Tarefa ingrata! Quase inexistente no Brasil. Fragmentada lá fora. Interessa-me o têxtil em todas as suas formas: artístico e utilitário (mas não industrial), oriundo de tear ou de tricô, crochet, renda, costura, bordado. Interessa-me sobremaneira a atividade criativa que ele pode proporcionar: penso nas tapeçarias (de chão e de parede - kilim ou gobelin), nas esculturas tecidas, nas aplicações, no patchwork, nos bordados, as possibilidades são tantas... Procuro, nas bibliografias das publicações estrangeiras que me caem nas mãos, endereços de museus voltados ao têxtil. Aí a coisa se pulveriza: parece que ninguém se interessa pelo assunto de maneira abrangente. Têm-se têxtil arqueológico separado do têxtil artístico, separado do têxtil utilitário, separado pelas diversas técnicas, separado pelos povos do mundo. As técnicas têxteis são as mesmas em todos os lugares (pessoas do mundo inteiro se dedicam a fazer crochê, tricô, patchwork, bordado, tapeçaria) e atravessam a História como fazer contínuo, necessário, útil, belo, rico. Algumas técnicas são mais antigas do que outras (e fizeram a riqueza material ou cultural de povos inteiros), mas todas elas envolvem um material que é sempre o mesmo: fios, agulhas, teares.
Tapeçaria - Norberto Nicola
Inúmeros museus espalhados pelo mundo (quem dera poder visitar todos eles...) colecionam parcelas do fazer têxtil humano. Pensando bem, não poderia ser diferente. A menos que procedêssemos como um certo demente austríaco que tinha a pretensão de reunir tudo o que ele considerava "a grande arte" num museu único, com acervo saqueado de todos os demais... Não, não é viável. O museu de tudo não existe. O que me aborrece é que os livros não precisam ser assim: eles podem ser abrangentes, informativos, referenciais como um dicionário. Se este livro existe, alguém, por favor me avise que eu não sei.
Meu museu ideal seria assim: um prédio (real de preferência, mas um virtual já seria louvável) que mostrasse em seu acervo as variadas realizações que uma determinada técnica possibilita. Para todas as técnicas do fazer têxtil. Através da História e dos povos. Através do fazer feminino (e esse é um assunto interessantíssimo, por que a mulher ficou desde cedo associada a esse tipo de trabalho). Através da "grande arte" e da "pequena arte". Um espaço em que os têxteis da Bauhaus, biquinhos em panos de prato, cachecóis, gobelins, kilims, vestimentas étnicas bordadas, rendas de bilro, panos de Paracas, arte moderna, quilt livre (e não livre também) convivessem sem hierarquia, cada um segundo sua técnica. Tudo isto para mostrar o valor da inventividade humana, o poder de uma agulha, a versatilidade do fio, a permanência do tear.

3 comentários:

Elisa Nathaly disse...

NOSSA!!!!
Que orgulho enorme de poder dizer: Eu conheço a Lu! Que cultura deliciosa, quanta sabedoria, quanta capacidade!
Minha linda, seu desejo é louvável e confesso que fiquei com inveja, também quero seu sonho. Ambas sabemos que eu não vou realizá-lo, não tenho tempo ou capacidade logística suficiente para tal empreendimento...mas eu conheço alguém que pode e vai, por nós duas e mais uma infinidade de outras pessoas que querem seu sonho e ainda nem sabem...Sabe quem??? É...isso mesmo...VOCÊ!!!
Tô esperando o brinde da largada, porque logo em seguida, vou cobrar a reta final! Vai, minha amiga! Você pode e consegue!
Beijos enormes e obrigada por esse blog delicioso!
Elisa Nathaly

Joana disse...

Oi Ludmila, não sei se você já viu este da alemanha
http://www.tuch-und-technik.de/
e este da polonia.
http://www.muzeumwlokiennictwa.pl

Ludmila Ciuffi disse...

Olá Joana, o site do museu da Polônia eu já conhecia, pois são eles que promovem as trienais de tapeçaria. Por intermédio deles, descobri até pessoas do Brasil que por lá estiveram, embora elas não possuam site por aqui (não que eu tenha descoberto)... Pelo menos é possível "perseguir" os artistas europeus que possuem site para ver suas obras. O site alemão não. Vou verificar. Descobri um núcleo muito organizado de tapeçaria artística na Bélgica que é uma maravilha. Eles dão link para uma organização semelhante na França, mas eles são muito "fechados". Estou preparando um post sobre esse assunto. Vai ser grande. Descobri artistas de várias nacionalidades "linkados" ao grupo Belga e foi possível pelo menos ver suas obras. Ai, que quando esse assunto aparece eu vibro! Obrigada pela dica, apareça sempre...
Beijos
Ludmila