8 de novembro de 2012

Xale de Sereia


Tricô
Anzóis




Não sei quando nem porque as Sirenes perderam suas asas e ganharam cauda de peixe. 
Sei que ainda cantam - e só Kafka parece preferir o seu silêncio - e sentem frio, nuas que estão numa ilha do Mediterrâneo. 
Tricotei para elas este xale quentinho. 
A mesma fome que inspira seu canto faz trabalhar minhas mãos.

12 de outubro de 2012

Circunlóquio


Chove neste feriado sem fé e sem meninos. Na parede, terminou a espera de um São Francisco que aguardava por um prego há mais de uma semana. Conta-se que, cansado de ouvidos humanos, o homem resolveu pregar aos animais. Não pelas mesmas razões, enterrei minhas mãos na terra úmida do vaso-útero recém comprado para uma muda de Jacarandá que aguardava há tempo meus cuidados. Mãos enraizadas e pés chapados no chão, deixei a chuva encharcar corpo e espírito enquanto transplantava o Ipê Roxo também relegado, na esperança de confundir suas flores com as minhas.
Pé no chão e idéia fixa, o salto agulha da filha lembrou-me aquele outro com o qual Fassbinder calçou sua Maria Braun antes dela explodir a casa. Talvez Clitemnestra usasse tacões quando matou Agamémnon. Sua irmã Helena devia andar de sandálias, pois muito havia o que percorrer entre Micenas e Tróia . Penélope, essa, andava descalça e ocupava diuturnamente suas mãos para não afogar-se num solilóquio interminável. Protelada por Hamlet, sucumbiu Ofélia, que não sabia tecer ou bordar. Tivesse ela plantado um Jacarandá no túmulo do pai, as águas não a teriam levado. Tivesse Maria Braun assado um bolo, como eu, sua cozinha não teria explodido.

5 de outubro de 2012

Santa Clara


Bimba Landmann é o nome da ilustradora cujo desenho copiei.
Percorri com minhas linhas de algodão as linhas mais puras do trabalho dela, invejosa de sua cor e de sua intenção.
Valeu-me o exercício, mas ainda não sei o que fazer com as agulhas. Como um pêndulo, elas têm oscilado em minhas mãos ora para construir, ora para destruir. Ao bordado assim "mimoso" gosto de contrabalancear a ruptura do objeto. É chegado então o momento de atirar as agulhas ao léu e colher o significado que elas compõem.

4 de outubro de 2012

Feira PARTE


Trabalhinho que mandei para o Projeto "Hic et Nunc" na Feira de Arte Contemporânea "PARTE"
17 a 21 de outubro de 2012 no Paço das Artes - USP

Maiores informações, aqui.


18 de setembro de 2012

Hospitalar II


Toalha-fralda
Café
Arame
Seringas
Bordado

Obrigada ao Juan que me emprestou a frase


Há muito não tomo mais Viscum Album. 
Ficaram as seringas e a sugestão desse nome entre branco e visguento.

14 de setembro de 2012

Hospitalar I


Atadura  /  Arame  /  Bordado  /  Costura  /  Dado  /  Dor  /  Estrutura

Atadura retalhada refeita repaginada
Arame de alumínio esqueleto moldável
Bordado de garatujas
Costura essencial
Dado viciado
Dor imaginada
Estrutura mambembe



31 de agosto de 2012

San Miniato al Monte


É necessário bibliografia para compreender as belezas dessa Basílica. Contudo, do adro dessa igreja contemplar o pôr-do-sol sobre a cidade magnífica de Lorenzo exige apenas disposição de deixar os minutos correrem esquecidos do tempo aprisionado dos relógios.

26 de agosto de 2012

Dos materiais


A lã só se deixou modelar com muito trabalho.

A seda exigiu perícia e paciência.

O arame farpado requereu de mim somente a força bruta.

A ideia certamente não era minha. Liberta do cérebro primeiro que a pensou, ocupou-me por algumas horas e foi-se embora colher a habilidade de outras mãos.

Do ponto de vista gramatical, não sei se fui o sujeito ou o objeto da ação. Restou a coisa-objeto que chamei de Ninho.



11 de agosto de 2012

Capela com bolhas de sabão


Compósita de todas as maneiras, nada nesta capela é real. Não quis retratar realidade alguma, salvo a delicadeza das bolhas de sabão com as quais meu sobrinho ainda brinca no quintal. Acho que o bordado não se presta a retratar realidades de maneira convincente. Parece-me que as linhas brilhantes e coloridas alcançam apenas as notas sentimentais, dizendo mais do ânimo de quem borda do que qualquer outra coisa. Mostra-me o que bordas, que te direi quem és....

9 de agosto de 2012

Pampulha reloaded


Havia ainda muito espaço na página e minha mensagem não estava completa. Quando publiquei, apressada, a foto, fingi não perceber um certo desconforto de coisa não dita. É impossível mentir para si próprio. Então, mea culpa, eis minha capela repaginada.

4 de agosto de 2012

Catedral Metropolitana


Fecho os olhos e visualizo a caminhada noturna pela Avenida República do Chile. Sob o viaduto da Avenida República do Paraguai menos mendigos se encolhiam em seus andrajos. Não fosse o penetrante cheiro de urina, diria que o entorno estava quase limpo.
A chuva fina que caía tornava ainda mais sobrenatural a feérica iluminação da Catedral de São Sebastião. Inebriada de tanta luz, imaginei mil cruzes bruxuleando em derredor. Soava, incessante em minha memória: "...São Sebastião crivado nublai minha visão na noite da grande fogueira desvairada..."
Sim, o Rio de Janeiro continua lindo.
E menos pobre.
Amém.

25 de julho de 2012

Capela e húmus de minhoca


E não é que esse adubo poderoso continua a alimentar a imaginação de pessoas que não atendem pelo nome de Oscar Niemeyer ou Cândido Portinari? Ou talvez o elemento sobrenatural paire acima de todos nós convidando para o trabalho das mãos...

9 de julho de 2012

Boi


É um boi, mas não é bumbá. Não posso reivindicar para mim uma tradição que não é minha. 
O princípio que norteou essa "colagem" de tecidos foi a geometria e a disparidade das cores, não o folclore.
Esse trabalhinho nasceu de uma apresentação que a Mara Doratiotto fez sobre Tapeçaria de Recorte. É bem verdade que não obedeci muito à técnica, mas isso não importa muito. Importa que meu boizinho modesto ganhou uma cara nesse mundo.

5 de julho de 2012

Capela


Esta capela bordei para um projeto coletivo chamado "Andar com Fé". Quando reunirmos um número considerável de capelas, elas serão todas unidas entre si ou afixadas em outro suporte. Também estou curiosa para ver o efeito final! Postarei aqui quando ficar pronto.

Fotografia mais que amadora essa minha, com o sol entrando pela janela e projetando a sombra das grades sobre a mesa. Pensando na imagem, adoro compor a foto com sombra. O objeto retratado ganha outro enquadramento e o contraste oriundo do combate entre a luz e a sombra fica bem evidente. Que diria um fotógrafo de verdade?

11 de junho de 2012

Gaiola


Nasceu como uma estrutura de cavilhas e rami. Não deu. Leve demais. E eu não sei nós capazes de resgatar suicidas em Bungee Jump. Daí virou ferro, ou melhor, aço que tanto machucava o itabirano Carlos (da gentil terra mineira nosso poeta conservou somente a dureza). Mas assim foi que meu rascunho de cavilhas e rami transformou-se nessa gaiola de aço e solda. A delicadeza veio depois, mas sem exagero. Esmola demais santo desconfia. Havia um turbilhão de coisas em que pensar, e eu não queria que o bruto subjugasse o delicado. Havia a exposição do Giacometti na Pinacoteca, havia os pregos do João Pimenta e as minhas facas, havia a luz tão bonita do atelier novo, havia John Lennon gritando umas urgências antigas. Pregos viraram agulhas, assunto que me ocupa. Título foi mais difícil, acabou ficando óbvio.

4 de junho de 2012

Encalacrado



O cabo de aço permanecia ali, alheio a toda tentativa minha de transformá-lo em borboleta. Bem que tentei com arames e alicate domar a matéria bruta. Como que a rir desse capricho, o cabo se esticava mais e mais  escarnecendo de minha fantasia de onipotência. Certo, entendi logo: metamorfose não! Então, perseverante e paciente bolei este suporte para as adoráveis curvas que o aço me permitia fazer com as mãos sem alterar sua essência. Fizemos as pazes e demo-nos as mãos.

Juan Ojea é o orientador da oficina que acompanho sobre Arte Têxtil Tridimensional. A sugestão de usar materiais inusuais veio dele. Estímulo e incentivo também. Muchas gracias.

23 de maio de 2012

Cortina de Facas


Era para ser têxtil e para ser preto o mais era livre. Minha janela eu pretendia mais ameaçadora do que engraçada, mas ela não quis assim... A criatura ganhou o mundo e as coisas que eu pensei para ela perderam a função.  Pensei em Norman Bates e naquele cineasta que gostava de janelas. Uma coreografia de Pina Bausch forneceu a urgência da expressão.
Antes de posar nas paredes do Museu A Casa, a janela veio de uma caçamba carregada de entulho e as facas foram perfuradas com prego aquecido no fogão. Crochê e tricô básicos fizeram o resto.

8 de maio de 2012

Janela com sutiãs



Nascida ano passado, minha janela permanecia envergonhada de si mesma. Careciam os sutiãs de regaço mais compreensivo de sua mensagem desenvolta e alegre.
Essa janela formava um par com o busto (do exercício têxtil nº 5) e com ele dialogava. Enquanto aquele dizia da pequenez de uma dor que se introjeta, essa pretendia impor-se como um desavergonhado gesto de liberdade. Algo como um piparote seguido de uma sonorosa gargalhada.
Algum tempo decorrido, eis que minha janela tem agora outro interlocutor com o qual conversar: a obra que apresentei na TENET tão talhada para o enfrentamento.
Tenho mais nada a dizer sobre as janelas.
Sei da dor que agulhas e facas podem causar.

1 de março de 2012

Exercício Têxtil nº 5

Uta Melle
Outubro 2004

Busto catártico com a semente que germinou em mim a vontade das mãos que modelam fiapos de memória e cicatrizes de vitórias antigas.
Para Uta Melle tão linda e delicada musa. Danke.